O Superior Tribunal de Justiça – STJ, no julgamento do REsp. 1.792.265-SP, divulgado no informativo 723 de 7 de fevereiro de 2022, esclareceu que a proteção do bem de família descrito na forma da Lei n. 8.009/1990, alcançará todas as obrigações do devedor, indistintamente, ainda que o imóvel tenha sido adquirido no curso de algum processo de execução.
A discussão no Superior Tribunal de justiça, agora pacificada, era se o imóvel de família adquirido no decorrer do processo de execução poderia ou não, ser considerado bem de família, para os fins de impenhorabilidade.
O bem de família é dividido em duas categorias, que coexistem no universo jurídico de forma harmoniosa e organizada, sendo; o bem de família legal (Lei n. 8.009/1990) e o convencional ou voluntário (Código Civil).
O bem de família legal refere-se ao imóvel utilizado como residência da entidade familiar, protegido pela Lei Especial nº 8.009/1990. A intenção da Lei é garantir o mínimo existencial que o indivíduo possa viver com dignidade (entidade familiar), respeitando-se, com isso, os ditames constitucionais sobre o tema da Dignidade da Pessoa Humana.
O bem de família convencional está disciplinado no Código Civil, artigos. 1.711[1] a 1.722[2]. Constitui a parte do patrimônio dos cônjuges ou da entidade familiar, por estes instituída como bem de família, por meio de escritura pública ou de testamento.
O bem de família legal, dispensa a realização de escritura ou registro, bastando, para sua formalização, que o imóvel se destine à residência familiar. Todavia, o convencional está expresso no Código Civil, que condiciona para sua validade a escritura pública e a circunstância de que seu valor não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente no momento da transformação do bem de família.
Nos termos da Lei n. 8.009/1990, para que a impenhorabilidade ocorra, além de ser utilizado como residência pela família, o imóvel será sempre o de menor valor, caso o proprietário possua outros. Já na hipótese convencional esse requisito não é essencial, e o valor do imóvel é considerado apenas em relação ao patrimônio total em que está inserido o bem.
Nas situações em que o sujeito possua mais de um bem imóvel, a impenhorabilidade poderá incidir sobre imóvel de maior valor, caso tenha sido instituído, formalmente, como bem de família, no Registro de Imóveis (art. 1711, CC/2002) ou, caso não haja instituição voluntária formal, automaticamente, a impenhorabilidade recairá sobre o imóvel de menor valor (art. 5°, parágrafo único, da Lei n. 8.009/1990).
Assim, observa-se que a diferença da instituição voluntária será percebida na realidade de múltiplas propriedades, pela simples razão de que, sendo o executado proprietário de apenas um imóvel, utilizado para residência, a condição de bem de família já recaía sobre ele, independentemente de registro em cartório.
Outrossim, o bem de família instituído nos moldes da Lei n. 8.009/1990, a proteção conferida pelo instituto alcançará todas as obrigações do devedor, indistintamente, ainda que o imóvel tenha sido adquirido no meio de uma demanda executiva.
Entretanto, é importante esclarecer que a impenhorabilidade convencional é relativa, uma vez que o imóvel apenas estará protegido da execução por dívidas criadas antes de seu registro/escritura.
Sendo necessário esclarecer que, independentemente do regime legal a que está submetido o bem de família, não se admitirá a proteção irrestrita se isso significar o a deturpação do instituto, preservando sempre a ética e a boa-fé, indispensáveis em todas as relações jurídicas.
Nesse contexto, só o fato de ser o imóvel residencial, bem único do executado, sobre ele, necessariamente, incidirão as normas da Lei n. 8.009/1990, aplicando-se o instituto da impenhorabilidade legal.
Ademais, ainda que se tratasse de imóvel voluntariamente instituído como bem de família (regime do Código Civil), sendo o único bem imóvel do executado, a proteção conferida pela Lei n. 8.009/1990 se estenderia ao bem, de maneira simultânea, e, nessa extensão, é capaz de preservar o bem da penhora de dívidas constituídas anteriormente à instituição voluntária.
Portanto, conforme esclarecido, ambos os tipos de bens de família se complementam e coexistem harmoniosamente no Ordenamento Jurídico. Sendo que, sua natureza impenhorável existirá enquanto houver ética e boa-fé do instituidor, mesmo que adquirido o imóvel em meio à um processo de execução.
Escrito por [1]Diogo Karl Rodrigues, advogado do Karl Advogados.
[1] Sócio Fundador/Advogado do Karl Advogados
[2] Art. 1.711. Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial.
[3] Art. 1.722. Extingue-se, igualmente, o bem de família com a morte de ambos os cônjuges e a maioridade dos filhos, desde que não sujeitos a curatela.