O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, em recente julgamento, em que foi proferido o informativo 503 de 16 a 31 de maio de 2024, ao analisar o processo nº 07361138620238070016, de relatoria da Desembargadora Carmen Bittencourt, firmou o entendimento que a ausência de vínculos entre pais e filhos pode ocasionar intenso sofrimento psíquico e configurar abandono afetivo, situação apta a justificar pedido de desfiliação biológica.
Assim, é possível a retificação do nome para suprimir o patronímico, uma vez que a hipótese ultrapassa a esfera do direito registral, tratando, em verdade, do direito fundamental à dignidade da pessoa humana.
No processo, apurou-se que uma mulher ingressou com ação de desfiliação parental em desfavor do pai biológico por inadimplemento do dever de parentalidade. Alegou abandono afetivo e material, bem como ausência de convívio entre eles.
No caso, ela afirmou que teria sido criada pela mãe e pelo padrinho, posteriormente registrado como pai socioafetivo na certidão de nascimento.
Em primeiro grau, o juiz sentenciante julgou o pedido improcedente, negando tal pretensão.
Inconformada com a decisão, houve recurso da sentença inicial. Assim, na análise do recurso, os desembargadores esclareceram que os arts. 226[1] e 229[2] da Constituição Federal atribuem aos pais o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, para uma vida digna.
Ressaltaram que a ausência de afeto prejudica a formação do indivíduo como pessoa, pois gera sentimento de abandono, com reflexos permanentes na vida do descendente.
Os desembargadores destacaram que o abandono afetivo representa falta de amparo e cuidado com os filhos, bem como negligência emocional e intelectual, favorecendo sentimento de insegurança e de hostilidade entre os membros do núcleo familiar.
Dessa forma, tal situação pode ocasionar sofrimento pelo uso do sobrenome do ascendente e, apesar da imutabilidade conferida ao nome, com exceções específicas da Lei de Registros Públicos (art. 57), a jurisprudência tem flexibilizado esse entendimento desde que haja justo motivo e não cause prejuízo a terceiros.
No caso concreto do processo, os julgadores explicaram que a autora relatou a inexistência de vínculo paterno-filial desde a infância e o imenso desconforto e sofrimento psíquico pelo uso do patronímico do pai biológico, dada a absoluta falta de identificação com ele e ausência de sentimento familiar.
Ademais, o pai biológico também manifestou concordância com o pedido, assim, a recorrente incluiu em seu próprio registro de nascimento, o sobrenome do pai socioafetivo – com quem possui identidade emocional.
Portanto, os magistrados concluíram que o direito ao nome não envolve apenas a questão registral, mas essencialmente o direito fundamental à identidade e, nesse cenário, por entender que o abandono afetivo configura justo motivo, deram provimento ao recurso para autorizar a desfiliação requerida e para admitir a supressão do sobrenome paterno.
Escrito por Diogo Karl Rodrigues, advogado do Karl Advogados.